Criança pequena usa principalmente os sentidos visual e tátil para “ler” o mundo e se expressar por meio de materiais, suportes e técnicas.
Quem trabalha
com crianças pequenas sabe como lidamos todos os dias com suas
conquistas e desenvolvimento. No entanto, diversas pessoas ainda
desconfiam de como pode acontecer o trabalho com os pequenos. É comum
ouvirmos muitas perguntas: o que você faz com uma criança de 1 ano? Como
as crianças se comunicam se ainda não sabem falar? Ah! Mas para que
gastar determinado material com crianças que não entendem nada?
Sabemos que as
crianças de 1 ano são curiosas, que usam diferentes partes do corpo para
conhecer o mundo. Elas acabaram de dar os primeiros passos e ainda
estão incorporando esse movimento à sua rotina. E assim como andar,
podem cantar, explorar instrumentos, dançar, rolar, desenhar, descobrir o
próprio corpo e o do outro. Usam as mãos para descobrir este mundo novo
e logo trazem tudo para perto de si, para a barriga, para a boca, para o
rosto. Querem sentir, conhecer, ver mais do que os olhos mostram.
Está cada vez
mais claro para nós, educadores, que precisamos considerar essas
características nas atividades que propomos. E uma das formas de
incentivar esse processo é criar o espaço adequado e estipular o tempo
necessário para que isso aconteça. Assim, uma das atividades que podem
colaborar com esse crescimento é a realização de um Ateliê de Artes, um
momento específico do dia para trabalhar com as diferentes linguagens
expressivas, dentre elas as atividades plásticas.
Devem ser
oferecidos diferentes materiais, instrumentos e suportes para serem
explorados pelos pequenos com o corpo e pelo corpo. Deve-se tomar todo o
cuidado necessário no momento de preparar essa atividade para que cada
material seja devidamente apresentado às crianças. Como educadora, neste
momento, observo e auxilio o encontro deles com os materiais.
Experiências no Ateliê
Mas o que exatamente acontece nesse momento com crianças tão pequenas?
O corpo
comunica, a mão descobre o corpo e descobre o outro. Você já percebeu
como algumas crianças gostam de sentir a tinta fria se espalhando na
barriga, chegando até a experimentar o seu gosto? É dessa maneira que
estamos instigando e respeitando o jeito de ser das crianças, nas
descobertas das diversas linguagens. Pensando nas peculiaridades
infantis, preparamos as nossas propostas de Ateliê. Introduzimos novas
possibilidades de expressão da criança, respeitando esse desejo de
conhecer o mundo por meio do próprio corpo. Planejamos propostas
diferentes para um mesmo material: tinta na mesa com as mãos, tinta no
papel individual com pincel ou tinta no papel coletivo com rolinho.
Percebemos que as três propostas acabam passeando pelo corpo, e, por
mais que deixemos claro que “hoje nós vamos usar o pincel e vamos pintar
o papel”, conseguimos entender como para as crianças ainda é muito
importante sentir a tinta e espalhá-la pelo próprio corpo. Aos poucos,
elas vão diferenciando esses momentos, mas agora estão vivendo
intensamente essa fase na qual o corpo fala mais alto.
O planejamento
da atividade deve contemplar a apresentação dos diferentes materiais,
suportes e instrumentos. Claro, independente da idade das crianças,
consideramos essa apresentação, mas a especificidade aqui é a
descoberta. Entrar em contato, pela primeira vez, com determinado
material faz que essa atividade comece de outra maneira, respeitando as
sensações e emoções que podem ser provocadas. Se for uma atividade de
desenho, podemos oferecer diversos riscadores: lápis, caneta, giz de
cera, giz de lousa, giz pastel, carvão, gravetos, enfim tudo o que possa
deixar uma marca.
Numa atividade
de tinta, podemos utilizar tintas de diferentes texturas e densidades,
além de instrumentos diferentes: pincéis variados, rolinho, esponja,
cotonete, algodão, entre outros. Nas duas atividades, podem ser
considerados os mais diversos suportes, planos e interferências. Um dia
pode ser oferecida a mesa da forma convencional, convidando os pequenos a
se sentarem nos banquinhos e, em outro, estimulando-os a trabalharem de
pé. Também há a possibilidade de alterarmos os planos. Para isso,
colocamos um papel na parede e, assim, podemos brincar com a altura do
papel e propor um jogo de esticá-lo ou de abaixá-lo, registrando tais
marcas. Em outro momento, propostas para que os pequenos trabalhem
sentados no chão, com ou sem suportes.
Os recursos do Ateliê e as crianças
E para que tudo
isso? Para instigar a curiosidade, para experimentar, sentir prazer e
se expressar. Falar e deixar o corpo falar. Ao entrarem em contato com
esses materiais, as crianças se expressam e ficam curiosas para
descobrir diferentes modos de utilizá-los. Nesse momento não há certo
nem errado, existem possibilidades de ampliação do repertório de cada um
e do grupo. Assim como não há uma atividade que deu errado, aprendemos a
lidar com as nossas expectativas em relação ao que foi planejado, pois
muitas vezes a atividade começa de acordo com o que foi proposto e, à
certa altura, segue por outro caminho.
Cabe a nós,
educadores, planejar e formular hipóteses possíveis de continuidade da
atividade. Não é porque um material não foi aceito num dia que ele tem
de ser descartado. Nunca me esqueço da cara de aflição de um grupo de
crianças a primeira vez que colocaram as mãos na tinta misturada com
areia. Naquele dia não houve jeito de fazê-las gostar da atividade
proposta, nem mesmo quando nós, adultos, trabalhamos com elas, com a mão
literalmente na massa.
Passado algum
tempo, os pequenos aceitaram a atividade, completamente felizes com a
possibilidade de misturar tinta e areia. A escolha dos suportes é mais
um recurso para ampliar o repertório e possibilitar que o corpo trabalhe
em diferentes posições. Eles podem ser móveis como papéis, papelões e
caixas, ou fixos como o chão, a parede, um vidro, a mesa e até mesmo o
próprio corpo. Todos esses suportes podem ser oferecidos pelos
professores ou mesmo escolhidos pelas crianças.
Nesse momento,
não devemos nos restringir apenas à pintura. Há também modelagem,
desenho, colagem e misturas, que são técnicas que oferecem outras formas
de expressão das crianças. Ou até mesmo fundir as linguagens, como no
caso de uma proposta com farinha de trigo. A farinha pode ser oferecida
para as crianças em potinhos espalhados pelo chão com alguns pincéis. Ao
som de uma música agradável, as crianças começam a manipular a farinha
com os pincéis, depois com as mãos, com a barriga, dançando, deslizando
os pés sobre a farinha esparramada no chão. O interessante é que cada
criança interage com o material de acordo com a vontade individual.
Assim, num mesmo momento, podemos observar crianças muito concentradas,
fazendo desenhos minuciosos com o pincel; outras, às gargalhadas,
fazendo cócegas com o pincel pelo corpo; algumas fazendo “nuvens de
fumaça”, jogando a farinha para o alto; outras apertando a farinha entre
as mãos; as que migraram para o plano alto, deslizando-se pelo espaço,
deliciando-se com o poder escorregadio da farinha. Assim, como nessa
atividade, há diversas outras que propiciam igual riqueza de conteúdos,
de envolvimento e de expressividade.
Como a criança se expressa
A criança dessa
idade não está preocupada em criar formas definidas nem com o produto
final. Para nós, professores, é difícil saber em que momento a criança
considera a atividade concluída. Algumas dão a atividade por encerrada
porque estão satisfeitas; outras, porque se sentiram atraídas por alguma
coisa; e há crianças que ficam tão envolvidas com a atividade que, às
vezes, precisam de ajuda para sua conclusão. Durante o trabalho, algumas
delas ficam aflitas com a possibilidade de se sujar e querem logo se
lavar. Nós, educadores, devemos respeitar essa vontade e, à medida que o
vínculo se estabeleça com a criança, podemos propor a continuação do
trabalho ou, se for o caso, entender que, para essa criança, a atividade
já está concluída. As intervenções, nessa faixa etária, estão
diretamente ligadas ao tipo de vínculo estabelecido entre o adulto e a
criança.
Essas crianças
estão envolvidas com a descoberta e absorvidas pelos prazeres motor e
sensorial despertados pela atividade proposta. Quando começam a
trabalhar, elas estão muito mais motivadas pelo prazer motor; braço e
instrumento parecem uma coisa só, e o corpo também trabalha como um
bloco. Aos poucos, sua concepção corporal vai mudando e elas vão
adquirindo mais coordenação motora. Conforme o movimento é realizado,
elas percebem os efeitos produzidos.
Com crianças de
1 ano, é muito difícil elas se darem conta do que estão produzindo.
Cada gesto e cada movimento feito ganham o encantamento da percepção
desse prazer motor, aliado a todo o prazer sensorial despertado pelo
contato com os materiais, temperaturas e texturas diferentes. A variação
das características dos materiais oferecidos é ótimo exemplo de como
trabalhar as sensações. Os materiais podem estar à disposição
simultaneamente: um papel liso e um papel lixa, uma mistura tipo finger1 bem
quentinha e uma tinta guache, normalmente geladinha. Ou então a
variação dessas características pode ser experimentada em dias
alternados, vivenciando as sensações sem a preocupação da comparação. E
mesmo que os prazeres motor e sensorial sejam destacados, não deixamos
de pontuar os efeitos produzidos.
Vale destacar
que somente mais tarde é que o prazer visual vai ganhar espaço. Cada
criança descobre um jeito próprio de se expressar, e nós, mais do que
observadores, podemos ampliar esse repertório, mostrando algumas formas
de segurar os instrumentos e salientando as descobertas feitas, que
podem ser enriquecedoras para todos.
Algumas vezes
os pequenos fazem o esperado, mas também nos surpreendem com o
inusitado. Durante a intervenção do professor na atividade, é importante
apoiar as descobertas feitas pelas crianças e auxiliá-las quanto ao uso
dos materiais. Assim, oferecemos, por exemplo, troca de cores ou outro
material ainda não utilizado. Às vezes, a simples admiração do trabalho
realizado pelas crianças e a atenção dada durante todo o processo dão a
elas a segurança para continuar as investigações.
Em decorrência
da mescla de atividades individuais e coletivas surge a possibilidade do
encontro dos trabalhos realizados individual e coletivamente. Muitas
vezes uma criança observa o que a outra está fazendo e quer imitá-la ou
procura outras maneiras de se expressar. Algumas querem ensinar o que
sabem aos amigos, outras usam o amigo como suporte. Cabe a nós observar e
perceber se é necessária uma intervenção ou não.
Certa vez, numa
atividade de desenho, um menino desenhava muito concentrado, sentado em
seu banquinho, enquanto o amigo só queria fazer seu carrinho passear
pela parede. Em determinado momento, os dois se encontraram e, juntos,
produziram um novo desenho. Traço de um e traço do outro; encontro de
giz, de carrinho e de muita cumplicidade. Assim, preserva-se a expressão
de cada um e privilegiam-se encontro e descoberta do trabalho realizado
conjuntamente. É uma forma de dividir o espaço e de compartilhá-lo.
Repetir uma
mesma proposta com a turma pode ser uma experiência bastante
enriquecedora, porque ela pode instigar a criança a explorar um
determinado material de outra forma. Repetir o que foi feito no dia
anterior pode fazer que a criança se aproprie do conhecimento produzido e
se sinta segura para explorar mais. Dessa forma, buscamos sempre o
equilíbrio entre a novidade e a repetição. Uma busca pela observação do
grupo, um olhar delicado que tenta captar a conversa de cada um com o
seu trabalho e com o próprio corpo.
(Mariana Americano, formadora do Instituto Avisa Lá e professora de Educação Infantil da Escola Viva, em São Paulo – SP)
1Pintura produzida com os dedos.
Dicas para observação do professor:
Materiais – como a criança:
- entra em contato com o material.
- lida com a variedade de materiais.
- reage quando se suja.
- interage com o material.
Suportes – Se a criança:
- aceita o suporte oferecido.
- se detém nos limites do suporte.
- cria um jeito de utilizar o suporte.
Instrumentos
- Como a criança segura os instrumentos.
- Se a criança aceita os instrumentos oferecidos.
- Se a criança busca alternativas de segurá-los.
Intervenção do professor
- Cuidar da segurança e do bem-estar da criança.
- Auxiliar a criança a conhecer os materiais, suportes e instrumentos.
- Oferecer possibilidades à criança, auxiliando na pesquisa de cada um.
- Mostrar os efeitos produzidos, ressaltando a autoria de cada um.
- Auxiliar na finalização dos trabalhos, na limpeza do corpo.
- Organizar o ambiente.
Ficha Técnica
- Professora: Mariana AmericanoE-mail: americano.mariana@gmail.com
- Escola VivaEndereço: Rua Prof. Vahia de Abreu, 664 – Vila Olímpia. CEP 04549-003 – São Paulo – SP. Tel.: (11) 3040-2250 Site: www.escolaviva.com.br
* FONTE: http://avisala.org.br/index.php/assunto/tempo-didadico/muito-alem-de-carimbar-os-pes-e-as-maos/
Criança pequena usa principalmente os sentidos visual e tátil para “ler” o mundo e se expressar por meio de materiais, suportes e técnicas.
Quem trabalha
com crianças pequenas sabe como lidamos todos os dias com suas
conquistas e desenvolvimento. No entanto, diversas pessoas ainda
desconfiam de como pode acontecer o trabalho com os pequenos. É comum
ouvirmos muitas perguntas: o que você faz com uma criança de 1 ano? Como
as crianças se comunicam se ainda não sabem falar? Ah! Mas para que
gastar determinado material com crianças que não entendem nada?
Sabemos que as
crianças de 1 ano são curiosas, que usam diferentes partes do corpo para
conhecer o mundo. Elas acabaram de dar os primeiros passos e ainda
estão incorporando esse movimento à sua rotina. E assim como andar,
podem cantar, explorar instrumentos, dançar, rolar, desenhar, descobrir o
próprio corpo e o do outro. Usam as mãos para descobrir este mundo novo
e logo trazem tudo para perto de si, para a barriga, para a boca, para o
rosto. Querem sentir, conhecer, ver mais do que os olhos mostram.
Está cada vez
mais claro para nós, educadores, que precisamos considerar essas
características nas atividades que propomos. E uma das formas de
incentivar esse processo é criar o espaço adequado e estipular o tempo
necessário para que isso aconteça. Assim, uma das atividades que podem
colaborar com esse crescimento é a realização de um Ateliê de Artes, um
momento específico do dia para trabalhar com as diferentes linguagens
expressivas, dentre elas as atividades plásticas.
Devem ser
oferecidos diferentes materiais, instrumentos e suportes para serem
explorados pelos pequenos com o corpo e pelo corpo. Deve-se tomar todo o
cuidado necessário no momento de preparar essa atividade para que cada
material seja devidamente apresentado às crianças. Como educadora, neste
momento, observo e auxilio o encontro deles com os materiais.
Experiências no Ateliê
Mas o que exatamente acontece nesse momento com crianças tão pequenas?
O corpo
comunica, a mão descobre o corpo e descobre o outro. Você já percebeu
como algumas crianças gostam de sentir a tinta fria se espalhando na
barriga, chegando até a experimentar o seu gosto? É dessa maneira que
estamos instigando e respeitando o jeito de ser das crianças, nas
descobertas das diversas linguagens. Pensando nas peculiaridades
infantis, preparamos as nossas propostas de Ateliê. Introduzimos novas
possibilidades de expressão da criança, respeitando esse desejo de
conhecer o mundo por meio do próprio corpo. Planejamos propostas
diferentes para um mesmo material: tinta na mesa com as mãos, tinta no
papel individual com pincel ou tinta no papel coletivo com rolinho.
Percebemos que as três propostas acabam passeando pelo corpo, e, por
mais que deixemos claro que “hoje nós vamos usar o pincel e vamos pintar
o papel”, conseguimos entender como para as crianças ainda é muito
importante sentir a tinta e espalhá-la pelo próprio corpo. Aos poucos,
elas vão diferenciando esses momentos, mas agora estão vivendo
intensamente essa fase na qual o corpo fala mais alto.
O planejamento
da atividade deve contemplar a apresentação dos diferentes materiais,
suportes e instrumentos. Claro, independente da idade das crianças,
consideramos essa apresentação, mas a especificidade aqui é a
descoberta. Entrar em contato, pela primeira vez, com determinado
material faz que essa atividade comece de outra maneira, respeitando as
sensações e emoções que podem ser provocadas. Se for uma atividade de
desenho, podemos oferecer diversos riscadores: lápis, caneta, giz de
cera, giz de lousa, giz pastel, carvão, gravetos, enfim tudo o que possa
deixar uma marca.
Numa atividade
de tinta, podemos utilizar tintas de diferentes texturas e densidades,
além de instrumentos diferentes: pincéis variados, rolinho, esponja,
cotonete, algodão, entre outros. Nas duas atividades, podem ser
considerados os mais diversos suportes, planos e interferências. Um dia
pode ser oferecida a mesa da forma convencional, convidando os pequenos a
se sentarem nos banquinhos e, em outro, estimulando-os a trabalharem de
pé. Também há a possibilidade de alterarmos os planos. Para isso,
colocamos um papel na parede e, assim, podemos brincar com a altura do
papel e propor um jogo de esticá-lo ou de abaixá-lo, registrando tais
marcas. Em outro momento, propostas para que os pequenos trabalhem
sentados no chão, com ou sem suportes.
Os recursos do Ateliê e as crianças
E para que tudo
isso? Para instigar a curiosidade, para experimentar, sentir prazer e
se expressar. Falar e deixar o corpo falar. Ao entrarem em contato com
esses materiais, as crianças se expressam e ficam curiosas para
descobrir diferentes modos de utilizá-los. Nesse momento não há certo
nem errado, existem possibilidades de ampliação do repertório de cada um
e do grupo. Assim como não há uma atividade que deu errado, aprendemos a
lidar com as nossas expectativas em relação ao que foi planejado, pois
muitas vezes a atividade começa de acordo com o que foi proposto e, à
certa altura, segue por outro caminho.
Cabe a nós,
educadores, planejar e formular hipóteses possíveis de continuidade da
atividade. Não é porque um material não foi aceito num dia que ele tem
de ser descartado. Nunca me esqueço da cara de aflição de um grupo de
crianças a primeira vez que colocaram as mãos na tinta misturada com
areia. Naquele dia não houve jeito de fazê-las gostar da atividade
proposta, nem mesmo quando nós, adultos, trabalhamos com elas, com a mão
literalmente na massa.
Passado algum
tempo, os pequenos aceitaram a atividade, completamente felizes com a
possibilidade de misturar tinta e areia. A escolha dos suportes é mais
um recurso para ampliar o repertório e possibilitar que o corpo trabalhe
em diferentes posições. Eles podem ser móveis como papéis, papelões e
caixas, ou fixos como o chão, a parede, um vidro, a mesa e até mesmo o
próprio corpo. Todos esses suportes podem ser oferecidos pelos
professores ou mesmo escolhidos pelas crianças.
Nesse momento,
não devemos nos restringir apenas à pintura. Há também modelagem,
desenho, colagem e misturas, que são técnicas que oferecem outras formas
de expressão das crianças. Ou até mesmo fundir as linguagens, como no
caso de uma proposta com farinha de trigo. A farinha pode ser oferecida
para as crianças em potinhos espalhados pelo chão com alguns pincéis. Ao
som de uma música agradável, as crianças começam a manipular a farinha
com os pincéis, depois com as mãos, com a barriga, dançando, deslizando
os pés sobre a farinha esparramada no chão. O interessante é que cada
criança interage com o material de acordo com a vontade individual.
Assim, num mesmo momento, podemos observar crianças muito concentradas,
fazendo desenhos minuciosos com o pincel; outras, às gargalhadas,
fazendo cócegas com o pincel pelo corpo; algumas fazendo “nuvens de
fumaça”, jogando a farinha para o alto; outras apertando a farinha entre
as mãos; as que migraram para o plano alto, deslizando-se pelo espaço,
deliciando-se com o poder escorregadio da farinha. Assim, como nessa
atividade, há diversas outras que propiciam igual riqueza de conteúdos,
de envolvimento e de expressividade.
Como a criança se expressa
A criança dessa
idade não está preocupada em criar formas definidas nem com o produto
final. Para nós, professores, é difícil saber em que momento a criança
considera a atividade concluída. Algumas dão a atividade por encerrada
porque estão satisfeitas; outras, porque se sentiram atraídas por alguma
coisa; e há crianças que ficam tão envolvidas com a atividade que, às
vezes, precisam de ajuda para sua conclusão. Durante o trabalho, algumas
delas ficam aflitas com a possibilidade de se sujar e querem logo se
lavar. Nós, educadores, devemos respeitar essa vontade e, à medida que o
vínculo se estabeleça com a criança, podemos propor a continuação do
trabalho ou, se for o caso, entender que, para essa criança, a atividade
já está concluída. As intervenções, nessa faixa etária, estão
diretamente ligadas ao tipo de vínculo estabelecido entre o adulto e a
criança.
Essas crianças
estão envolvidas com a descoberta e absorvidas pelos prazeres motor e
sensorial despertados pela atividade proposta. Quando começam a
trabalhar, elas estão muito mais motivadas pelo prazer motor; braço e
instrumento parecem uma coisa só, e o corpo também trabalha como um
bloco. Aos poucos, sua concepção corporal vai mudando e elas vão
adquirindo mais coordenação motora. Conforme o movimento é realizado,
elas percebem os efeitos produzidos.
Com crianças de
1 ano, é muito difícil elas se darem conta do que estão produzindo.
Cada gesto e cada movimento feito ganham o encantamento da percepção
desse prazer motor, aliado a todo o prazer sensorial despertado pelo
contato com os materiais, temperaturas e texturas diferentes. A variação
das características dos materiais oferecidos é ótimo exemplo de como
trabalhar as sensações. Os materiais podem estar à disposição
simultaneamente: um papel liso e um papel lixa, uma mistura tipo finger1 bem
quentinha e uma tinta guache, normalmente geladinha. Ou então a
variação dessas características pode ser experimentada em dias
alternados, vivenciando as sensações sem a preocupação da comparação. E
mesmo que os prazeres motor e sensorial sejam destacados, não deixamos
de pontuar os efeitos produzidos.
Vale destacar
que somente mais tarde é que o prazer visual vai ganhar espaço. Cada
criança descobre um jeito próprio de se expressar, e nós, mais do que
observadores, podemos ampliar esse repertório, mostrando algumas formas
de segurar os instrumentos e salientando as descobertas feitas, que
podem ser enriquecedoras para todos.
Algumas vezes
os pequenos fazem o esperado, mas também nos surpreendem com o
inusitado. Durante a intervenção do professor na atividade, é importante
apoiar as descobertas feitas pelas crianças e auxiliá-las quanto ao uso
dos materiais. Assim, oferecemos, por exemplo, troca de cores ou outro
material ainda não utilizado. Às vezes, a simples admiração do trabalho
realizado pelas crianças e a atenção dada durante todo o processo dão a
elas a segurança para continuar as investigações.
Em decorrência
da mescla de atividades individuais e coletivas surge a possibilidade do
encontro dos trabalhos realizados individual e coletivamente. Muitas
vezes uma criança observa o que a outra está fazendo e quer imitá-la ou
procura outras maneiras de se expressar. Algumas querem ensinar o que
sabem aos amigos, outras usam o amigo como suporte. Cabe a nós observar e
perceber se é necessária uma intervenção ou não.
Certa vez, numa
atividade de desenho, um menino desenhava muito concentrado, sentado em
seu banquinho, enquanto o amigo só queria fazer seu carrinho passear
pela parede. Em determinado momento, os dois se encontraram e, juntos,
produziram um novo desenho. Traço de um e traço do outro; encontro de
giz, de carrinho e de muita cumplicidade. Assim, preserva-se a expressão
de cada um e privilegiam-se encontro e descoberta do trabalho realizado
conjuntamente. É uma forma de dividir o espaço e de compartilhá-lo.
Repetir uma
mesma proposta com a turma pode ser uma experiência bastante
enriquecedora, porque ela pode instigar a criança a explorar um
determinado material de outra forma. Repetir o que foi feito no dia
anterior pode fazer que a criança se aproprie do conhecimento produzido e
se sinta segura para explorar mais. Dessa forma, buscamos sempre o
equilíbrio entre a novidade e a repetição. Uma busca pela observação do
grupo, um olhar delicado que tenta captar a conversa de cada um com o
seu trabalho e com o próprio corpo.
(Mariana Americano, formadora do Instituto Avisa Lá e professora de Educação Infantil da Escola Viva, em São Paulo – SP)
1Pintura produzida com os dedos.
Dicas para observação do professor:
Materiais – como a criança:
- entra em contato com o material.
- lida com a variedade de materiais.
- reage quando se suja.
- interage com o material.
Suportes – Se a criança:
- aceita o suporte oferecido.
- se detém nos limites do suporte.
- cria um jeito de utilizar o suporte.
Instrumentos
- Como a criança segura os instrumentos.
- Se a criança aceita os instrumentos oferecidos.
- Se a criança busca alternativas de segurá-los.
Intervenção do professor
- Cuidar da segurança e do bem-estar da criança.
- Auxiliar a criança a conhecer os materiais, suportes e instrumentos.
- Oferecer possibilidades à criança, auxiliando na pesquisa de cada um.
- Mostrar os efeitos produzidos, ressaltando a autoria de cada um.
- Auxiliar na finalização dos trabalhos, na limpeza do corpo.
- Organizar o ambiente.
Ficha Técnica
- Professora: Mariana AmericanoE-mail: americano.mariana@gmail.com
- Escola VivaEndereço: Rua Prof. Vahia de Abreu, 664 – Vila Olímpia. CEP 04549-003 – São Paulo – SP. Tel.: (11) 3040-2250 Site: www.escolaviva.com.br
* FONTE: http://avisala.org.br/index.php/assunto/tempo-didadico/muito-alem-de-carimbar-os-pes-e-as-maos/
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