Pequenas tarefas atribuídas às crianças durante a rotina escolar são oportunidades de aprendizagem sobre convivência, respeito e responsabilidade, além de contribuir para a construção da personalidade moral.
Os conteúdos relacionados ao eixo de trabalho Identidade e Autonomia1 constituem
a base de grande parte das situações de ensino e de aprendizagem em uma
abordagem construtivista. Na Educação Infantil, a inserção no espaço
escolar amplia o conhecimento que as crianças pequenas constroem a
respeito de si mesmas, de suas possibilidades e de seus próprios
limites.
Nessa etapa da
escolaridade, entendemos a socialização como um dos principais eixos do
trabalho. Ao longo das séries, as crianças aprenderão a conviver em
grupo e a respeitar seus pares,a respeitar e a atender os adultos que
não são seus pais, a compartilhar, a emprestar, a esperar a vez, a
formar novos vínculos afetivos etc. Viverão situações que contribuirão
para que se adaptem à vida em comunidade.
Assim, as
propostas feitas diariamente são planejadas para que elas conheçam e
aprendam a conviver no espaço escolar, que, por sua vez, é organizado
por regras próprias e compartilhado entre crianças e professores.
Construção da autonomia
E o que isso
tem que ver com autonomia? Quase tudo, à medida que a definimos como a
capacidade de tomar decisões por si, levando em conta regras, valores,
reconhecendo o próprio espaço e o do outro. Por isso, são tão
importantes as regras e os combinados que estabelecemos com os pequenos,
pois explicitam, de certa maneira, o funcionamento da escola e as
normas de conduta necessárias ao convívio social do grupo.
Ao
compreendermos que o crescimento pessoal implica construção da
identidade e da autonomia, nossas intervenções passam a considerar as
dimensões individual e coletiva, isto é, ao mesmo tempo que respeitamos e
buscamos atender as características e as necessidades de cada criança,
consideramos a importância da convivência entre elas e as aprendizagens
que dela decorrem.
Progressivamente,
as interações acontecem de fato e os alunos passam a atuar de maneira
cada vez mais autônoma. Não é à toa que o eixo Identidade e Autonomia é
considerado conteúdo transversal. Sem dúvida, ele perpassa todos os
demais conteúdos, como se representasse o fio da costura.
Ajudantes do dia
Desde o início
do ano, as professoras de Grupo 3 (crianças de 5 e 6 anos) planejam
encaminhamentos e intervenções que propiciam progressiva autonomia para
os integrantes da sala. Diariamente, convidamos os pequenos a atuar como
ajudantes do dia, auxiliando as professoras em tarefas que,
gradativamente, vão se tornando cada vez mais complexas e que,
paulatinamente, vão sendo realizadas cada vez mais sem apoio direto do
adulto. Isso não quer dizer que as crianças possam fazer o que quiserem,
de qualquer jeito, nem que as tarefas sejam puramente burocráticas.
Atuando junto à
professora e aos colegas, o ajudante interioriza a ajuda proporcionada,
incorporando, assim, às suas ações, novas dimensões que o farão mais
capaz de resolver os problemas e as questões que surgem. Acreditamos que
as crianças, quando atuam com alguém mais experiente, podem chegar a
fazer algumas coisas que não conseguem fazer sozinhas.
Como se vê,
numa perspectiva construtivista, há outras dimensões do desenvolvimento
infantil que são consideradas. Trata-se da construção da personalidade
moral, de atitudes e valores como justiça, respeito e solidariedade.
Portanto, nós, professores, não nos ocupamos somente da formação
acadêmica dos alunos, preocupamo-nos com a formação de cidadãos que
possam contribuir para a construção de sociedades justas.
No Grupo 3,
assim como nas séries anteriores, os ajudantes do dia são convidados a
participar da organização do espaço físico antes da realização de
diversas atividades que fazem parte da rotina, ou depois delas.
Entretanto, nessa turma, novos desafios são propostos, pois as crianças
dessa idade já são capazes de assumir novos compromissos. Ao se
responsabilizarem pela organização dos materiais para as oficinas de
Arte, por exemplo, elas preparam as mesas de trabalho, forrando-as com
plástico ou jornal, despejam as tintas nos copos, separam pincéis e o
suporte que será utilizado, distribuem aventais, e estão sempre de
prontidão, caso seja preciso repor alguns dos itens. Elas estão
aprendendo que tudo que lhes diz respeito também é de sua
responsabilidade.
É claro que
essas tarefas são compartilhadas com os demais integrantes do grupo,
que, ao longo da jornada escolar, colaboram na organização de espaços e
de materiais. No entanto, o protagonismo é da dupla de ajudantes, que se
reveza diariamente, dando a todos a oportunidade de experimentar
cumprir tarefas mais exigentes. E como essas ações contribuem para
aumentar o sentimento de potência e de pertinência ao grupo!
Muito além da organização
E não para por
aí. Introduzimos os pequenos dessa série em outra proposta de trabalho,
em que todos se responsabilizam pela supervisão da própria sala de aula
para, no segundo semestre do ano letivo, começarem a orientar outros
grupos quanto à organização dos espaços de uso coletivo, como o parque, a
sala de leitura, o banheiro e o bebedouro, preocupando-se, inclusive,
em atuar como modelo diante dos menores (Grupo 1 – crianças de 3 e 4
anos; e Grupo 2 – crianças de 4 e 5 anos).
Dessa maneira,
criamos diversas situações nas quais elas tenham de interagir, colaborar
e cooperar, para que elas aprendam a se relacionar e a respeitar as
pessoas. Assim, a colaboração com os companheiros, a participação e o
respeito são considerados conteúdos que devem ser ensinados e
priorizados. A escolha dos ajudantes do dia não é aleatória. Ela é
planejada pelo professor, considerando alguns critérios, como levar em
conta como um dos ajudantes que demonstra mais autonomia na realização
das tarefas inerentes a esse papel pode auxiliar o outro que necessita
de apoio para executá-las. O profissional também considera as relações
entre as crianças ao escolher a dupla, pois, muitas vezes, é nesse
momento que uma passa a olhar para a outra de maneira diferente,
conhecendo suas habilidades para preparar um material ou ajudar os
demais na resolução de um conflito. As que são vistas como aquelas que
resolvem conflitos utilizando a força física ou não se organizam nas
rodas podem construir uma imagem diferente perante os colegas com base
nas ações e tarefas que realizam quando são colocadas na posição de quem
ajuda na organização e no relacionamento do grupo. Consequentemente,
também passam a demonstrar mais comprometimento com as atividades nas
diferentes áreas do conhecimento.
Diariamente,
diversas crianças consultam a tabela afixada no mural para saber quem
são os ajudantes daquele dia ou para contar quantos dias faltam para
assumir esse papel, uma vez que, na tabela, há a lista dos que serão
ajudantes no mês. Isso nos revela o quanto estão envolvidas com esse
desafio e aguardam com ansiedade o momento de assumir o posto,
desempenhando cada vez melhor e com mais autonomia as funções que lhes
cabem.
Sabemos o
quanto os pequenos apreciam preparar os materiais de Arte, que nas
séries anteriores ficavam mais a cargo dos professores. Sabemos também
que tarefas relacionadas à organização da sala e, progressivamente, ao
espaço escolar são esperadas por eles, especialmente pelos que assumem a
posição de ajudante do dia, para que haja convívio harmonioso entre
todos da sala e dos demais grupos.
Para que
ficasse claro o que esperávamos das ações dos ajudantes do dia, em uma
das salas de Grupo 3, foi pedido às crianças que enumerassem as tarefas.
A lista foi digitada pela professora e afixada no mural da sala a
pedido delas, justificando a possibilidade de consultá-la sempre que
necessário.
Autonomia grupal e individual
Procuramos
oferecer às crianças um ambiente sociomoral de respeito, em que as
professoras consideram as ideias das crianças em diversas situações
cotidianas e não somente nas propostas acadêmicas. Temos um exemplo
extraído de uma das salas de Grupo 3: diante de uma situação que ocorria
com certa frequência, na qual os colegas solicitavam a presença da
professora para ajudar a resolver um conflito, queixando-se de uma
criança que não deixava alguns colegas participar de uma brincadeira ou
que falava coisas desagradáveis para eles, a educadora propôs uma roda
na qual o grupo foi convidado a expressar a opinião sobre o que pensava a
respeito do companheiro que não assumia suas ações, pois era recorrente
ele apresentar dificuldade em assumir o que tinha dito ou feito, quando
questionado pelos adultos. Leia o registro de uma roda de conversa:
Professora: Por
que será que essa criança sempre diz que não foi ela quem começou ou
que não é responsável por falar determinada coisa?
Criança: Eu acho que é para não ganhar a bronca.
Criança: Para não deixar de brincar com os colegas, porque ela sabe que não foi certo o que fez.
Criança: A criança sabe que está fazendo uma coisa errada e diz que não foi ela.
Professora: Como nós podemos ajudar essa criança?
Criança: Nós podemos ajudar o amigo a entender o que está acontecendo.
Criança: Nós podemos dizer que conversando a gente pode se entender e que ele não precisa ficar com medo.
Criança: Mentir é errado e não resolve o problema.
Criança: Eu sempre ajudo a resolver o problema da minha amiga porque eu
já vi e sei como você conversa e resolve os problemas com a gente.
Criança: É verdade, por isso se conseguirmos resolver o problema não precisa nem chamar a professora.
Dessa maneira,
propiciamos aos pequenos a possibilidade de ajudar na tomada de
decisões. As regras e os combinados são feitos por eles e pelas
professoras. Estamos falando de crianças morais, que enfrentam questões
que fazem parte de sua vida escolar. Quando a professora proporciona
essa experiência, elas evoluem a partir de ações impulsivas e
autocentradas para negociações que respeitam os direitos e os
sentimentos de outras pessoas.
Quando
convidadas a refletir sobre os problemas da sala de aula, as crianças
têm mais possibilidade de perceber a necessidade de haver regras. Ao
participarem da discussão relacionada às questões que aparecem, elas
percebem que as decisões também pertencem a elas. Assim, terão a
oportunidade de compreender por que existem certas regras e por que
fazem certas coisas de determinadas maneiras.
Os conflitos
são considerados como oportunidades para ajudar os pequenos a pensarem
sobre o ponto de vista de outros e a imaginarem a negociação. Nossas
intervenções são: o que você poderia dizer a ele? Você pode falar com
ele sozinho ou precisa de minha ajuda? Assim, eles formam as próprias
opiniões e ouvem as de outros, construindo seu senso moral com base nas
experiências da vida cotidiana. Em uma situação de conflito, elas têm
oportunidade de perceber o ponto de vista do outro e são motivadas a
descobrir como resolver um problema. A conversa torna-se cooperativa e
elas se sentem confortáveis para expressar seu pensamento à professora e
para os demais colegas. Dessa maneira, vão construindo repertório para
resolver problemas com mais autonomia nos momentos em que estiverem
envolvidas em situações de conflito com um colega, necessitando cada vez
menos do apoio do adulto.
Avaliamos que a
tarefa de ajudante do dia oferece várias oportunidades para interação
com os colegas, porque possibilita a cooperação com o grupo. Na
interação com os companheiros, os pequenos descobrem que fazem parte de
um coletivo e assumem um sentimento de compromisso e obrigação com as
regras construídas por eles. Quando se sentem autores das regras,
aumenta a propensão a segui-las e a lembrar a outros para segui-las
também. Dessa maneira, os professores podem dividir a responsabilidade
com eles, por meio da rotatividade de deveres e de privilégios diários,
mesmo no grupo descrito anteriormente, em que a presença do adulto é
necessária na resolução de conflitos e nos intervalos das atividades da
rotina.
O professor
passa a focar sua intervenção auxiliando-os nessa questão e deixa a
cargo dos ajudantes do dia as demais tarefas, sempre atuando como modelo
para que os ajustes se façam necessários, considerando as
particularidades de cada grupo e acreditando na progressiva autonomia
perante as diversas situações. Assim, ser ajudante do dia é uma função
que permite a todas as crianças assumirem responsabilidades,
contribuindo para a formação de uma sala de aula moral, levando ao
funcionamento mais harmônico das aulas e a relações mais satisfatórias
entre todos os participantes do processo educacional.
(Alessandra
Zanetti e Maria Eugenia Kira, professoras de Educação Infantil da Escola
da Vila – Unidade Butantã e formadoras de professores no Centro de
Formação da Escola da Vila, em São Paulo – SP.)
1In
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: Formação
Pessoal, Volume 2. Brasília: Ministério da educação e do Desporto e
Secretaria de educação Fundamental (MEC/SEF), 1998. Disponível na
íntegra no site: www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf.
Tarefas dos ajudantes do dia
Arte
- Misturar as tintas.
- Preparar a cola.
- Entregar aos colegas canetas, folhas, argilas e tesouras.
- Organizar a oficina de percurso e, no fim, ajudar a guardar os materiais que não foram usados.
- Forrar as mesas com plástico.
Biblioteca
- No dia de biblioteca, no momento dos cantos, entregar os livros devolvidos pelas crianças para a bibliotecária.
Espaço escolar
- Lembrar aos amigos que eles não podem correr no corredor da Educação Infantil.
- Lembrar aos colegas que eles não podem passar do banco perto da árvore na hora do parque.
Banheiro
- Lembrar às crianças dos Grupos 1, 2 e 3 que elas não devem espiar embaixo da porta do banheiro.
- Lembrar aos colegas da Educação Infantil que eles não podem jogar papel higiênico no vaso sanitário.
- Lembrar aos amigos que eles devem pegar apenas duas folhas de papel para enxugar as mãos.
Sala de aula
- Arrumar as cadeiras da sala.
- Estender o tapete antes das rodas de história.
- Recolher os papéis do chão.
- Lembrar às crianças que elas devem pendurar os casacos e guardar os brinquedos na prateleira.
- Quando acabar a hora do desenho, elas devem guardar as caixinhas de canetinhas e de giz de cera.
Parque
- Lembrar às crianças que elas devem brincar em pequenos grupos.
- Lembrar aos amigos que eles devem organizar os brinquedos, que não podem correr para a sala de aula e nem se esconder nas plantas.
- Ao voltar do parque, lembrá-los de lavar as mãos, tirar a areia do tênis e beber água.
Resolução de conflitos
- Dar ideias para os amigos de como resolver um problema
Ficha Técnica
- Escola da Vila – Unidade ButantãEndereço: Rua Barroso Neto, 91 – Butantã – São Paulo – SP – CEP: 05585-010 Tel.: (11) 3726-3578Site: www.escoladavila.com.brDiretora da Educação Infantil: Vânia MarincekCoordenadora da Educação Infantil Butantã: Dayse GonçalvesProfessoras: Alessandra Zanetti e Maria Eugenia KiraE-mails: alessandra@vila.com.br e tucha@vila.com.br
Para saber mais
- Aprender e ensinar na educação infantil, de Eulalia Bassedas, Teresa Huguet e Isabel Solé. São Paulo: Artmed, 1999. Tel.: 0800 703 3444. Site: www.artmed.com.br
- A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola, de Rheta de Vries e Betty Zan. São Paulo: Artmed, 1998. Tel.: 0800 703 3444 Site: www. artmed.com.br
FONTE: http://avisala.org.br/index.php/conteudo-por-edicoes/revista-avisala-48/ajudantes-do-dia-contribuicoes-para-o-papel-de-estudante/
Pequenas tarefas atribuídas às crianças durante a rotina escolar são oportunidades de aprendizagem sobre convivência, respeito e responsabilidade, além de contribuir para a construção da personalidade moral.
Os conteúdos relacionados ao eixo de trabalho Identidade e Autonomia1 constituem
a base de grande parte das situações de ensino e de aprendizagem em uma
abordagem construtivista. Na Educação Infantil, a inserção no espaço
escolar amplia o conhecimento que as crianças pequenas constroem a
respeito de si mesmas, de suas possibilidades e de seus próprios
limites.
Nessa etapa da
escolaridade, entendemos a socialização como um dos principais eixos do
trabalho. Ao longo das séries, as crianças aprenderão a conviver em
grupo e a respeitar seus pares,a respeitar e a atender os adultos que
não são seus pais, a compartilhar, a emprestar, a esperar a vez, a
formar novos vínculos afetivos etc. Viverão situações que contribuirão
para que se adaptem à vida em comunidade.
Assim, as
propostas feitas diariamente são planejadas para que elas conheçam e
aprendam a conviver no espaço escolar, que, por sua vez, é organizado
por regras próprias e compartilhado entre crianças e professores.
Construção da autonomia
E o que isso
tem que ver com autonomia? Quase tudo, à medida que a definimos como a
capacidade de tomar decisões por si, levando em conta regras, valores,
reconhecendo o próprio espaço e o do outro. Por isso, são tão
importantes as regras e os combinados que estabelecemos com os pequenos,
pois explicitam, de certa maneira, o funcionamento da escola e as
normas de conduta necessárias ao convívio social do grupo.
Ao
compreendermos que o crescimento pessoal implica construção da
identidade e da autonomia, nossas intervenções passam a considerar as
dimensões individual e coletiva, isto é, ao mesmo tempo que respeitamos e
buscamos atender as características e as necessidades de cada criança,
consideramos a importância da convivência entre elas e as aprendizagens
que dela decorrem.
Progressivamente,
as interações acontecem de fato e os alunos passam a atuar de maneira
cada vez mais autônoma. Não é à toa que o eixo Identidade e Autonomia é
considerado conteúdo transversal. Sem dúvida, ele perpassa todos os
demais conteúdos, como se representasse o fio da costura.
Ajudantes do dia
Desde o início
do ano, as professoras de Grupo 3 (crianças de 5 e 6 anos) planejam
encaminhamentos e intervenções que propiciam progressiva autonomia para
os integrantes da sala. Diariamente, convidamos os pequenos a atuar como
ajudantes do dia, auxiliando as professoras em tarefas que,
gradativamente, vão se tornando cada vez mais complexas e que,
paulatinamente, vão sendo realizadas cada vez mais sem apoio direto do
adulto. Isso não quer dizer que as crianças possam fazer o que quiserem,
de qualquer jeito, nem que as tarefas sejam puramente burocráticas.
Atuando junto à
professora e aos colegas, o ajudante interioriza a ajuda proporcionada,
incorporando, assim, às suas ações, novas dimensões que o farão mais
capaz de resolver os problemas e as questões que surgem. Acreditamos que
as crianças, quando atuam com alguém mais experiente, podem chegar a
fazer algumas coisas que não conseguem fazer sozinhas.
Como se vê,
numa perspectiva construtivista, há outras dimensões do desenvolvimento
infantil que são consideradas. Trata-se da construção da personalidade
moral, de atitudes e valores como justiça, respeito e solidariedade.
Portanto, nós, professores, não nos ocupamos somente da formação
acadêmica dos alunos, preocupamo-nos com a formação de cidadãos que
possam contribuir para a construção de sociedades justas.
No Grupo 3,
assim como nas séries anteriores, os ajudantes do dia são convidados a
participar da organização do espaço físico antes da realização de
diversas atividades que fazem parte da rotina, ou depois delas.
Entretanto, nessa turma, novos desafios são propostos, pois as crianças
dessa idade já são capazes de assumir novos compromissos. Ao se
responsabilizarem pela organização dos materiais para as oficinas de
Arte, por exemplo, elas preparam as mesas de trabalho, forrando-as com
plástico ou jornal, despejam as tintas nos copos, separam pincéis e o
suporte que será utilizado, distribuem aventais, e estão sempre de
prontidão, caso seja preciso repor alguns dos itens. Elas estão
aprendendo que tudo que lhes diz respeito também é de sua
responsabilidade.
É claro que
essas tarefas são compartilhadas com os demais integrantes do grupo,
que, ao longo da jornada escolar, colaboram na organização de espaços e
de materiais. No entanto, o protagonismo é da dupla de ajudantes, que se
reveza diariamente, dando a todos a oportunidade de experimentar
cumprir tarefas mais exigentes. E como essas ações contribuem para
aumentar o sentimento de potência e de pertinência ao grupo!
Muito além da organização
E não para por
aí. Introduzimos os pequenos dessa série em outra proposta de trabalho,
em que todos se responsabilizam pela supervisão da própria sala de aula
para, no segundo semestre do ano letivo, começarem a orientar outros
grupos quanto à organização dos espaços de uso coletivo, como o parque, a
sala de leitura, o banheiro e o bebedouro, preocupando-se, inclusive,
em atuar como modelo diante dos menores (Grupo 1 – crianças de 3 e 4
anos; e Grupo 2 – crianças de 4 e 5 anos).
Dessa maneira,
criamos diversas situações nas quais elas tenham de interagir, colaborar
e cooperar, para que elas aprendam a se relacionar e a respeitar as
pessoas. Assim, a colaboração com os companheiros, a participação e o
respeito são considerados conteúdos que devem ser ensinados e
priorizados. A escolha dos ajudantes do dia não é aleatória. Ela é
planejada pelo professor, considerando alguns critérios, como levar em
conta como um dos ajudantes que demonstra mais autonomia na realização
das tarefas inerentes a esse papel pode auxiliar o outro que necessita
de apoio para executá-las. O profissional também considera as relações
entre as crianças ao escolher a dupla, pois, muitas vezes, é nesse
momento que uma passa a olhar para a outra de maneira diferente,
conhecendo suas habilidades para preparar um material ou ajudar os
demais na resolução de um conflito. As que são vistas como aquelas que
resolvem conflitos utilizando a força física ou não se organizam nas
rodas podem construir uma imagem diferente perante os colegas com base
nas ações e tarefas que realizam quando são colocadas na posição de quem
ajuda na organização e no relacionamento do grupo. Consequentemente,
também passam a demonstrar mais comprometimento com as atividades nas
diferentes áreas do conhecimento.
Diariamente,
diversas crianças consultam a tabela afixada no mural para saber quem
são os ajudantes daquele dia ou para contar quantos dias faltam para
assumir esse papel, uma vez que, na tabela, há a lista dos que serão
ajudantes no mês. Isso nos revela o quanto estão envolvidas com esse
desafio e aguardam com ansiedade o momento de assumir o posto,
desempenhando cada vez melhor e com mais autonomia as funções que lhes
cabem.
Sabemos o
quanto os pequenos apreciam preparar os materiais de Arte, que nas
séries anteriores ficavam mais a cargo dos professores. Sabemos também
que tarefas relacionadas à organização da sala e, progressivamente, ao
espaço escolar são esperadas por eles, especialmente pelos que assumem a
posição de ajudante do dia, para que haja convívio harmonioso entre
todos da sala e dos demais grupos.
Para que
ficasse claro o que esperávamos das ações dos ajudantes do dia, em uma
das salas de Grupo 3, foi pedido às crianças que enumerassem as tarefas.
A lista foi digitada pela professora e afixada no mural da sala a
pedido delas, justificando a possibilidade de consultá-la sempre que
necessário.
Autonomia grupal e individual
Procuramos
oferecer às crianças um ambiente sociomoral de respeito, em que as
professoras consideram as ideias das crianças em diversas situações
cotidianas e não somente nas propostas acadêmicas. Temos um exemplo
extraído de uma das salas de Grupo 3: diante de uma situação que ocorria
com certa frequência, na qual os colegas solicitavam a presença da
professora para ajudar a resolver um conflito, queixando-se de uma
criança que não deixava alguns colegas participar de uma brincadeira ou
que falava coisas desagradáveis para eles, a educadora propôs uma roda
na qual o grupo foi convidado a expressar a opinião sobre o que pensava a
respeito do companheiro que não assumia suas ações, pois era recorrente
ele apresentar dificuldade em assumir o que tinha dito ou feito, quando
questionado pelos adultos. Leia o registro de uma roda de conversa:
Professora: Por
que será que essa criança sempre diz que não foi ela quem começou ou
que não é responsável por falar determinada coisa?
Criança: Eu acho que é para não ganhar a bronca.
Criança: Para não deixar de brincar com os colegas, porque ela sabe que não foi certo o que fez.
Criança: A criança sabe que está fazendo uma coisa errada e diz que não foi ela.
Professora: Como nós podemos ajudar essa criança?
Criança: Nós podemos ajudar o amigo a entender o que está acontecendo.
Criança: Nós podemos dizer que conversando a gente pode se entender e que ele não precisa ficar com medo.
Criança: Mentir é errado e não resolve o problema.
Criança: Eu sempre ajudo a resolver o problema da minha amiga porque eu
já vi e sei como você conversa e resolve os problemas com a gente.
Criança: É verdade, por isso se conseguirmos resolver o problema não precisa nem chamar a professora.
Dessa maneira,
propiciamos aos pequenos a possibilidade de ajudar na tomada de
decisões. As regras e os combinados são feitos por eles e pelas
professoras. Estamos falando de crianças morais, que enfrentam questões
que fazem parte de sua vida escolar. Quando a professora proporciona
essa experiência, elas evoluem a partir de ações impulsivas e
autocentradas para negociações que respeitam os direitos e os
sentimentos de outras pessoas.
Quando
convidadas a refletir sobre os problemas da sala de aula, as crianças
têm mais possibilidade de perceber a necessidade de haver regras. Ao
participarem da discussão relacionada às questões que aparecem, elas
percebem que as decisões também pertencem a elas. Assim, terão a
oportunidade de compreender por que existem certas regras e por que
fazem certas coisas de determinadas maneiras.
Os conflitos
são considerados como oportunidades para ajudar os pequenos a pensarem
sobre o ponto de vista de outros e a imaginarem a negociação. Nossas
intervenções são: o que você poderia dizer a ele? Você pode falar com
ele sozinho ou precisa de minha ajuda? Assim, eles formam as próprias
opiniões e ouvem as de outros, construindo seu senso moral com base nas
experiências da vida cotidiana. Em uma situação de conflito, elas têm
oportunidade de perceber o ponto de vista do outro e são motivadas a
descobrir como resolver um problema. A conversa torna-se cooperativa e
elas se sentem confortáveis para expressar seu pensamento à professora e
para os demais colegas. Dessa maneira, vão construindo repertório para
resolver problemas com mais autonomia nos momentos em que estiverem
envolvidas em situações de conflito com um colega, necessitando cada vez
menos do apoio do adulto.
Avaliamos que a
tarefa de ajudante do dia oferece várias oportunidades para interação
com os colegas, porque possibilita a cooperação com o grupo. Na
interação com os companheiros, os pequenos descobrem que fazem parte de
um coletivo e assumem um sentimento de compromisso e obrigação com as
regras construídas por eles. Quando se sentem autores das regras,
aumenta a propensão a segui-las e a lembrar a outros para segui-las
também. Dessa maneira, os professores podem dividir a responsabilidade
com eles, por meio da rotatividade de deveres e de privilégios diários,
mesmo no grupo descrito anteriormente, em que a presença do adulto é
necessária na resolução de conflitos e nos intervalos das atividades da
rotina.
O professor
passa a focar sua intervenção auxiliando-os nessa questão e deixa a
cargo dos ajudantes do dia as demais tarefas, sempre atuando como modelo
para que os ajustes se façam necessários, considerando as
particularidades de cada grupo e acreditando na progressiva autonomia
perante as diversas situações. Assim, ser ajudante do dia é uma função
que permite a todas as crianças assumirem responsabilidades,
contribuindo para a formação de uma sala de aula moral, levando ao
funcionamento mais harmônico das aulas e a relações mais satisfatórias
entre todos os participantes do processo educacional.
(Alessandra
Zanetti e Maria Eugenia Kira, professoras de Educação Infantil da Escola
da Vila – Unidade Butantã e formadoras de professores no Centro de
Formação da Escola da Vila, em São Paulo – SP.)
1In
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: Formação
Pessoal, Volume 2. Brasília: Ministério da educação e do Desporto e
Secretaria de educação Fundamental (MEC/SEF), 1998. Disponível na
íntegra no site: www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf.
Tarefas dos ajudantes do dia
Arte
- Misturar as tintas.
- Preparar a cola.
- Entregar aos colegas canetas, folhas, argilas e tesouras.
- Organizar a oficina de percurso e, no fim, ajudar a guardar os materiais que não foram usados.
- Forrar as mesas com plástico.
Biblioteca
- No dia de biblioteca, no momento dos cantos, entregar os livros devolvidos pelas crianças para a bibliotecária.
Espaço escolar
- Lembrar aos amigos que eles não podem correr no corredor da Educação Infantil.
- Lembrar aos colegas que eles não podem passar do banco perto da árvore na hora do parque.
Banheiro
- Lembrar às crianças dos Grupos 1, 2 e 3 que elas não devem espiar embaixo da porta do banheiro.
- Lembrar aos colegas da Educação Infantil que eles não podem jogar papel higiênico no vaso sanitário.
- Lembrar aos amigos que eles devem pegar apenas duas folhas de papel para enxugar as mãos.
Sala de aula
- Arrumar as cadeiras da sala.
- Estender o tapete antes das rodas de história.
- Recolher os papéis do chão.
- Lembrar às crianças que elas devem pendurar os casacos e guardar os brinquedos na prateleira.
- Quando acabar a hora do desenho, elas devem guardar as caixinhas de canetinhas e de giz de cera.
Parque
- Lembrar às crianças que elas devem brincar em pequenos grupos.
- Lembrar aos amigos que eles devem organizar os brinquedos, que não podem correr para a sala de aula e nem se esconder nas plantas.
- Ao voltar do parque, lembrá-los de lavar as mãos, tirar a areia do tênis e beber água.
Resolução de conflitos
- Dar ideias para os amigos de como resolver um problema
Ficha Técnica
- Escola da Vila – Unidade ButantãEndereço: Rua Barroso Neto, 91 – Butantã – São Paulo – SP – CEP: 05585-010 Tel.: (11) 3726-3578Site: www.escoladavila.com.brDiretora da Educação Infantil: Vânia MarincekCoordenadora da Educação Infantil Butantã: Dayse GonçalvesProfessoras: Alessandra Zanetti e Maria Eugenia KiraE-mails: alessandra@vila.com.br e tucha@vila.com.br
Para saber mais
- Aprender e ensinar na educação infantil, de Eulalia Bassedas, Teresa Huguet e Isabel Solé. São Paulo: Artmed, 1999. Tel.: 0800 703 3444. Site: www.artmed.com.br
- A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola, de Rheta de Vries e Betty Zan. São Paulo: Artmed, 1998. Tel.: 0800 703 3444 Site: www. artmed.com.br
FONTE: http://avisala.org.br/index.php/conteudo-por-edicoes/revista-avisala-48/ajudantes-do-dia-contribuicoes-para-o-papel-de-estudante/
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