Tempos, espaços, materiais e boas intervenções pedagógicas determinam a qualidade de atendimento a bebês em espaços de educação infantil
Segundo o
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, a palavra ambiente
pode ser compreendida como aquilo que rodeia ou envolve os seres por
todos os lados e constitui o meio em que se vive. E na Educação
Infantil, o que rodeia e envolve as crianças? As respostas variam de
acordo com o contexto, mas certamente ligadas à organização de tempos,
espaços e materiais presentes na instituição. Como princípio, acredito
que esses elementos precisam ser bem organizados para possibilitar
descobertas e aprendizagens.
Descobrir e
aprender são ações possíveis por interações. É na relação entre as
pessoas que se criam condições para a produção de cultura. A troca de
ideias implica imaginar, inventar e elaborar pensamentos e movimentos
para desenvolver a potencialidade humana em todas as dimensões. Na
creche e na pré-escola, portanto, é importante construir um ambiente que
propicie boas interações entre os diferentes parceiros mediadas por
objetos culturais significativos. Ao se considerar a diversidade dos
modos de agir, de pensar e de sentir das crianças, essas experiências
podem se traduzir em atividades que mobilizem os saberes dos pequenos de
tal maneira que eles aprendam sobre si e sobre o mundo.
Essas possibilidades podem ser reunidas em alguns campos de experiências1,
que se alimentam da iniciativa e curiosidade infantis e pela maneira
como os pequenos criam sentidos em relação àquilo que os rodeiam. Quando
ligadas à linguagem verbal, há dois domínios – oral e escrito. Ao se
expressarem dessa forma as crianças participam de diversas práticas de
inserção social. Além disso, embora regidos por normas próprias, o
domínio desse campo de experiência faz interface com todos os outros
considerados essenciais para o desenvolvimento infantil. Pelo
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil2 o
trabalho com linguagem se constitui em um dos eixos básicos dessa etapa
da Educação Básica, dada sua importância para a formação do sujeito,
interação com as outras pessoas, orientação de ações, construção de
variados conhecimentos e desenvolvimento do pensamento.
Aprender uma
língua não é somente falar novas palavras. É também entender seus
significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do
mesmo meio sociocultural compreendem, interpretam e representam a
realidade. Nessa perspectiva, durante uma avaliação de intervenção com
os grupos de berçário no CEI Jardim da Conquista, em São Paulo – SP,
usei a linguagem3 como foco principal no campo das
experiências. O desafio foi desenvolver uma proposta que considerasse
tempos, espaços e materiais para interação com os pequeninos,
interligados e articulados num ciclo em espiral. Ela pode ser entendida
como algo que continuamente se aproxima e se afasta, e compreende as
fases de planejamento, ações, observação e reflexão e, depois, um novo
planejamento da experiência em curso.
Este texto
apresenta o percurso nesse ciclo, os itinerários percorridos por esse
grupo explicitando as idas e vindas e os imprevistos sempre presentes. O
princípio de desenvolvimento coletivo que permeou o trabalho supõe que
apesar de planejamento anterior há muito espaço para o trabalho com a
criança. Desse modo, um processo de aprendizagem não pode ser plenamente
controlado, mas reavaliado a cada momento.
De conversa em conversa
A interação
está intimamente ligada à comunicação. Um dos meios mais importantes de
comunicação oral ocorre por meio da conversa. A troca de palavras e
ideias é algo que deve marcar as relações desde o berçário nas
instituições de Educação Infantil. Os bebês ainda não falam
convencionalmente, de modo que precisam dos adultos para expressar o
sincretismo que marca seu pensamento. Com base nisso, nossos encontros
se iniciavam sempre com uma roda de conversa. O objetivo era contribuir
para que ocorressem interlocuções mais qualificadas. A dinâmica
estabelecida para o batepapo foi diferente do círculo que costuma
acontecer com os maiores, pois os bebês integram pensamento e ação e,
por isso, era difícil mantê-los sentados em um mesmo lugar por muito
tempo.
O tempo das
situações coletivas de conversa com os pequeninos foi curto, porém
infinito do ponto de vista das possibilidades de diálogo e de expressão.
Era hora de escutar e reconhecer a subjetividade do outro. Quanto ao
espaço, ele era pensado de acordo com o assunto proposto. Valia um
cantinho aconchegante organizado dentro da sala, debaixo de uma árvore
no pátio ou em uma tenda armada no solário. O teor dos bate-papos esteve
sempre relacionado às atividades que realizávamos em nossos encontros. A
partir de alguns disparadores (imagens, histórias, espelhos e outros
objetos), a conversa se iniciava e encadeava ações, contextualizando e
dando sentido às vivências.
Meu papel como
educadora era o de emprestar palavras, completar falas e balbucios,
servir como modelo para imitação e fazer perguntas, utilizando sempre
uma linguagem enriquecida pelo vocabulário e recursos que nossa língua
oferece. No Berçário 1 (bebês de 0 a 1 ano e 3 meses), utilizei fotos
das intervenções como apoio. As imagens individuais de cada um foram
colocadas em um mural, que também foi suporte para o diálogo,
contribuindo para a dimensão da identidade. Na mesma orientação, uma de
nossas conversas teve como apoio pequenos espelhos, nos quais as
crianças puderam brincar com seus reflexos. Também propus que
apreciássemos figuras humanas produzidas por artistas que alimentam
nossa cultura.
No Berçário 2
(bebês a partir de 1 ano e 3 meses), da mesma maneira, trabalhamos com
as fotos individuais e construímos juntos um mural para essas fotos. A
apreciação de imagens de artistas também esteve presente, e a conversa
disparada por essas obras se estendeu quando delimitamos um lugar para
que pudessem permanecer na sala. Imagens de pessoas em movimento
estimularam a combinação da linguagem oral com o corpo, comunicando e
interagindo por meio do movimento. Outro lugar que criamos, e sobre o
qual conversamos, foi o canto de leitura.
Cestinhas-surpresa
As experiências
relacionadas ao brincar são fundamentais na Educação Infantil. Por meio
da interação aprende-se a brincar e a fazer escolhas. Assim, a criança
pequena experimenta o mundo e desenvolve a imaginação. Para ampliar as
possibilidades de brincadeiras de livre escolha para os bebês, propus
uma sequência de atividades com cestinhas-surpresa. Elas traziam
materiais com diversidade de texturas, sons e cheiros, que
possibilitavam esconder, achar, encaixar, empilhar, derrubar, rolar,
construir, encher, esvaziar, vestir, tirar e colocar. Os pequenos
deveriam explorar esses objetos.
Essa é uma
atividade intermediária, que se situa entre a dirigida e a brincadeira
livre não planejada. Pode ser marcada por um ritual, que ajuda a criança
a se situar na rotina e a se envolver com tranquilidade, pois o pequeno
sabe que ela vai acontecer novamente. O tempo possibilita escolher com o
que se envolver, diante de opções apresentadas simultaneamente. Requer
espaço flexível, que possa ser organizado e reorganizado várias vezes ao
dia. A proposta transforma o ambiente porque uma dinâmica diferenciada
da cotidiana ali se estabelece. São necessários cantinhos aconchegantes e
caminhos que prevejam a mobilidade.
Os materiais
escolhidos para as cestinhas podem partir da observação do interesse
infantil e também propor desafios e explorações. Sugestões de materiais:
caixinhas e blocos de madeira, pedaços de tecido, cones, carretéis,
bolas de borracha, potes, lenços, pulseiras, instrumentos musicais,
espelhos, imagens etc. Vale lembrar que todos devem ser constantemente
higienizados e não podem oferecer riscos à segurança das crianças. No
Berçário 1, criei um ritual para iniciar as atividades. Levava sempre um
tapete onde nos reuníamos e, então, apresentava os objetos dos
recipientes, sugerindo meios de exploração. Em seguida, entregava uma
cesta para cada bebê. No Berçário 2, as professoras produziram cestinhas
com papel de revista, que foram pintadas pelas crianças em um de nossos
encontros.
Nas reuniões
seguintes, elas eram apresentadas com seus pertences, como no caso
anterior. Para a exploração de materiais os tempos foram diversos entre
si. Nos primeiros encontros, o grupo passou vários momentos observando e
manuseando cada objeto cuidadosamente, em clima silencioso. Somente nos
encontros seguintes, começou o interesse por descobrir o que havia nas
outras cestas e a interagir com os colegas e as educadoras, imitando,
complementando, criando e recriando ações. Com os maiores, despontaram
algumas brincadeiras de jogo simbólico apoiadas nos materiais. Ao final
das atividades, solicitava ajuda aos pequenos para guardar os materiais,
movimento logo incorporado pelo grupo, constituído, aos poucos, pela
rotina que foi sendo organizada e compartilhada. Tanto na experiência
com o Berçário 1 como com o 2, chamou atenção a forma como os conflitos
surgiam e eram resolvidos pelas crianças, que demonstravam saber
negociar diante das opções daquele contexto.
Outra linguagem para interagir
A interação com
o ambiente e com as pessoas que dele fazem parte pode ser bastante
enriquecida pelo contato e pela vivência com o fazer artístico. Ampliar
referências visuais e possibilitar a expressão plástica são elementos
fundamentais para o desenvolvimento da criatividade. A fim de
proporcionar experiências nesse campo, propus uma sequência de
atividades de apreciação de imagens e de expressão plástica nos
encontros com os bebês. Além de funcionarem como disparadores de
conversa, as reproduções de obras produzidas por artistas contribuíram
para ampliar o repertório dos pequenos.
No Berçário 1,
trabalhei mais com a dimensão da apreciação, tanto nas rodas de conversa
quanto com as cestinhas-surpresa, que continham caixinhas de imagens em
um dos encontros. No Berçário 2, além da apreciação de imagens, que
ganhou um canto fixo na sala, confeccionamos materiais (pinturas das
cestinhas, do mural de fotos e nomes, da moldura do canto de apreciação
de imagens e do tapete para canto de leitura). Depois das atividades de
expressão ligadas à confecção de objetos, propus uma pequena sequência
de pintura com interferências, para alimentar o percurso criador.
Em trabalhos
como esse, o tempo de apreciação é flexível, pois implica o olhar de
cada um. As atividades são dirigidas e precisam da intervenção do
professor para auxiliar os pequenos a lidarem com materiais que exigem
determinados procedimentos. Em geral, eles ainda não conhecem
procedimentos básicos para o trabalho plástico, tanto em relação ao uso
de riscantes e suportes quanto com relação aos cuidados básicos para se
proteger e cuidar do ambiente. Procurei orientar os procedimentos
específicos no trato de cada material e também sugeri meios de
exploração. É importante ressaltar que os materiais devem ser
organizados em locais adequados e seguros.
Com o tempo, as
crianças se apropriaram da novidade e solicitavam a camiseta velha para
começar a pintar, escolhiam o riscante que preferiam usar e levavam a
produção até umlocal apropriado para secar. Observei que elas ficaram
sempre muito envolvidas e concentradas, de modo que todas as atividades
propostas foram realizadas com tranquilidade. É fundamental que a
produção seja valorizada, sendo cuidadosamente exposta dentro da sala ou
em outros espaços da escola. Um canto fixo de imagens pode ser
organizado, lembrando que elas devem ser periodicamente trocadas.
Pode-se
organizar o espaço de maneira a possibilitar diferentes experiências com
o fazer artístico: desenhar e pintar de pé ou sentado, realizar
trabalhos coletivos ou individuais. A confecção de cantos e de objetos
para o ambiente do berçário, por sua vez, contou com a participação
ativa dos pequenos integrantes, que puderam explorar materiais do fazer
artístico. Esse movimento de participação na construção do ambiente
favoreceu a valorização da expressão e da produção deles. No início, as
tarefas foram coletivas; depois, quando todos já estavam mais
familiarizados com a proposta, ofereci a oportunidade para que
realizassem explorações mais individualizadas, a partir de uma sequência
planejada para enriquecer o percurso criador. É importante saber
observar e respeitar o tempo da produção de cada um.
Leitura pelo professor
As experiências
relacionadas à leitura abrem as portas para o conhecimento sobre o
mundo e contribuem para a interação e o desenvolvimento da oralidade e
da linguagem. A narração de textos pelo professor fornece às crianças um
repertório que favorece a ampliação gradativa de suas possibilidades de
comunicação e de interação social. A participação em rodas de história
pode se constituir em um momento para expressão de ideias, sentimentos,
necessidades, desejos e avanço no processo de construção de
significados. Por considerar que as crianças tinham pouca familiaridade
com a leitura em voz alta e com os próprios livros, e por julgar
importante que elas conhecessem narrativas literárias e desenvolvessem
comportamentos leitores, propus uma roda de leitura em todos os
encontros. Reuníamo-nos em um canto aconchegante (com tapetes e
almofadas) e eu lia uma narrativa, colocando-me como modelo de leitor.
Merece destaque
a importância de se planejar esse tempo, sem perder de vista o antes, o
durante e o depois. No Berçário 1, propus uma sequência de leitura de
poesias curtas com a temática de animais. Depois do texto lido, oferecia
algumas publicações aos pequenos. No Berçário 2, adotei uma sequência
de histórias de acumulação e repetição (veja a lista de livros na página
36). Construímos também um canto de leitura na sala, para o qual as
crianças pintaram um tapete. Assim, as publicações se tornaram sempre
acessíveis, possibilitando o aprendizado de procedimentos de manuseio
delas, assim como a oportunidade de experimentar a leitura, mesmo que
não convencionalmente.
Aos poucos,
tanto os menores quanto os maiores, puderam ingressar nesse universo.
Nos primeiros encontros, as atividades foram tumultuadas. Com o passar
do tempo, eles acompanhavam e apreciavam esses momentos, saboreando
palavras e ilustrações. Além disso, observamos alguns comportamentos
incorporados, como manusear adequadamente um livro, virar uma página de
cada vez da esquerda para a direita, observar ilustrações e
relacioná-las com a história lida, formular hipóteses sobre a narrativa
que seria lida e tentativa de reconto.
(Cinthia Manzano, formadora do Instituto Avisa Lá)
1Sobre
a ideia de campos de experiências, consultar o documento Orientações
curriculares: Expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para
Educação Infantil, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de
2007.
2Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação, em 1998. O
documento se constitui a partir das concepções de criança, infância e
educação, oferecendo diretrizes curriculares a todos que atuam na área
de Educação Infantil. Volumes disponíveis no site: www.mec.gov.br.
3O trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto Capacitar
na Educação Infantil, desenvolvido na cidade de São Paulo, em 2008. (ver
Ficha Técnica)
Lista de livros lidos
Berçario 1:
- A arca de Noé, de Vinicius de Moraes. Ed. Cia. das Letrinhas.
- Boniteza silvestre, de Lalau e Laurabeatriz. Ed. Peirópolis.
- Meu poema abana o rabo, de Almir Correa. Ed. Biruta.
- Passa passa passarinho, de Cleonice Bourscheid. Ed. Edunisc.
- Rãzinha cantora e outros poemas, de Regina Chamlian e Helena Alexandrino. Ed. Paulinas.
- Um passarinho me contou, de José Paulo Paes. Ed. Ática.
Berçario 2:
- A casa sonolenta, de Audrey e Don Wood. Ed. Ática.
- Bruxa, bruxa venha à minha festa, de Arden Druce, Ed. Brinque Book.
- Devagar, devagar, bem devagar, de Eric Carle. Ed. Brinque Book.
- Fome de urso, de Heiz Janisch e Helga Bansch. Ed. Brinque Book.
- Macaco danado, de Julia Donaldson e Axel Scheffler. Ed. Brinque Book.
- Rápido como um gafanhoto, de Audrey e Don Wood. Ed. Brinque Book.
Ficha técnica
Programa: Capacitar Educação Infantil
Parceria: Grupo Gerdau e Instituto C & A
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Desenvolvimento: Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Coordenadoria de Ensino: São Mateus
Formadora de apoio: Cinthia Soares Manzano
E-mail: cinthiamanzano@hotmail.com
Coordenadora pedagógica do projeto: Maria Virgínia Gastaldi
Para saber mais
Livro
- Bem-vindo, mundo! Criança, cultura e formação de educadores, de Silvia Pereira de Carvalho, Adriana Klisys e Silvana Augusto (orgs.). Instituto C&A, Instituto Avisa Lá e Ed. Peirópolis. Tel.: (11) 3816-0699.
Conheça
mais atividades propostas para crianças de creche em edições da revista
Avisa lá: Mural de marcas, edição 37, de fevereiro de 2009;
Cestinhas-surpresa – regularidade e diversidade: componentes
fundamentais no planejamento de atividades para bebês, edição 16, de
outubro de 2003; e Álbum do bebê, edição 18, de abril de 2004.
Fonte: http://avisala.org.br/index.php/assunto/tempo-didadico/interacao-no-bercario/
Tempos, espaços, materiais e boas intervenções pedagógicas determinam a qualidade de atendimento a bebês em espaços de educação infantil
Segundo o
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, a palavra ambiente
pode ser compreendida como aquilo que rodeia ou envolve os seres por
todos os lados e constitui o meio em que se vive. E na Educação
Infantil, o que rodeia e envolve as crianças? As respostas variam de
acordo com o contexto, mas certamente ligadas à organização de tempos,
espaços e materiais presentes na instituição. Como princípio, acredito
que esses elementos precisam ser bem organizados para possibilitar
descobertas e aprendizagens.
Descobrir e
aprender são ações possíveis por interações. É na relação entre as
pessoas que se criam condições para a produção de cultura. A troca de
ideias implica imaginar, inventar e elaborar pensamentos e movimentos
para desenvolver a potencialidade humana em todas as dimensões. Na
creche e na pré-escola, portanto, é importante construir um ambiente que
propicie boas interações entre os diferentes parceiros mediadas por
objetos culturais significativos. Ao se considerar a diversidade dos
modos de agir, de pensar e de sentir das crianças, essas experiências
podem se traduzir em atividades que mobilizem os saberes dos pequenos de
tal maneira que eles aprendam sobre si e sobre o mundo.
Essas possibilidades podem ser reunidas em alguns campos de experiências1,
que se alimentam da iniciativa e curiosidade infantis e pela maneira
como os pequenos criam sentidos em relação àquilo que os rodeiam. Quando
ligadas à linguagem verbal, há dois domínios – oral e escrito. Ao se
expressarem dessa forma as crianças participam de diversas práticas de
inserção social. Além disso, embora regidos por normas próprias, o
domínio desse campo de experiência faz interface com todos os outros
considerados essenciais para o desenvolvimento infantil. Pelo
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil2 o
trabalho com linguagem se constitui em um dos eixos básicos dessa etapa
da Educação Básica, dada sua importância para a formação do sujeito,
interação com as outras pessoas, orientação de ações, construção de
variados conhecimentos e desenvolvimento do pensamento.
Aprender uma
língua não é somente falar novas palavras. É também entender seus
significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do
mesmo meio sociocultural compreendem, interpretam e representam a
realidade. Nessa perspectiva, durante uma avaliação de intervenção com
os grupos de berçário no CEI Jardim da Conquista, em São Paulo – SP,
usei a linguagem3 como foco principal no campo das
experiências. O desafio foi desenvolver uma proposta que considerasse
tempos, espaços e materiais para interação com os pequeninos,
interligados e articulados num ciclo em espiral. Ela pode ser entendida
como algo que continuamente se aproxima e se afasta, e compreende as
fases de planejamento, ações, observação e reflexão e, depois, um novo
planejamento da experiência em curso.
Este texto
apresenta o percurso nesse ciclo, os itinerários percorridos por esse
grupo explicitando as idas e vindas e os imprevistos sempre presentes. O
princípio de desenvolvimento coletivo que permeou o trabalho supõe que
apesar de planejamento anterior há muito espaço para o trabalho com a
criança. Desse modo, um processo de aprendizagem não pode ser plenamente
controlado, mas reavaliado a cada momento.
De conversa em conversa
A interação
está intimamente ligada à comunicação. Um dos meios mais importantes de
comunicação oral ocorre por meio da conversa. A troca de palavras e
ideias é algo que deve marcar as relações desde o berçário nas
instituições de Educação Infantil. Os bebês ainda não falam
convencionalmente, de modo que precisam dos adultos para expressar o
sincretismo que marca seu pensamento. Com base nisso, nossos encontros
se iniciavam sempre com uma roda de conversa. O objetivo era contribuir
para que ocorressem interlocuções mais qualificadas. A dinâmica
estabelecida para o batepapo foi diferente do círculo que costuma
acontecer com os maiores, pois os bebês integram pensamento e ação e,
por isso, era difícil mantê-los sentados em um mesmo lugar por muito
tempo.
O tempo das
situações coletivas de conversa com os pequeninos foi curto, porém
infinito do ponto de vista das possibilidades de diálogo e de expressão.
Era hora de escutar e reconhecer a subjetividade do outro. Quanto ao
espaço, ele era pensado de acordo com o assunto proposto. Valia um
cantinho aconchegante organizado dentro da sala, debaixo de uma árvore
no pátio ou em uma tenda armada no solário. O teor dos bate-papos esteve
sempre relacionado às atividades que realizávamos em nossos encontros. A
partir de alguns disparadores (imagens, histórias, espelhos e outros
objetos), a conversa se iniciava e encadeava ações, contextualizando e
dando sentido às vivências.
Meu papel como
educadora era o de emprestar palavras, completar falas e balbucios,
servir como modelo para imitação e fazer perguntas, utilizando sempre
uma linguagem enriquecida pelo vocabulário e recursos que nossa língua
oferece. No Berçário 1 (bebês de 0 a 1 ano e 3 meses), utilizei fotos
das intervenções como apoio. As imagens individuais de cada um foram
colocadas em um mural, que também foi suporte para o diálogo,
contribuindo para a dimensão da identidade. Na mesma orientação, uma de
nossas conversas teve como apoio pequenos espelhos, nos quais as
crianças puderam brincar com seus reflexos. Também propus que
apreciássemos figuras humanas produzidas por artistas que alimentam
nossa cultura.
No Berçário 2
(bebês a partir de 1 ano e 3 meses), da mesma maneira, trabalhamos com
as fotos individuais e construímos juntos um mural para essas fotos. A
apreciação de imagens de artistas também esteve presente, e a conversa
disparada por essas obras se estendeu quando delimitamos um lugar para
que pudessem permanecer na sala. Imagens de pessoas em movimento
estimularam a combinação da linguagem oral com o corpo, comunicando e
interagindo por meio do movimento. Outro lugar que criamos, e sobre o
qual conversamos, foi o canto de leitura.
Cestinhas-surpresa
As experiências
relacionadas ao brincar são fundamentais na Educação Infantil. Por meio
da interação aprende-se a brincar e a fazer escolhas. Assim, a criança
pequena experimenta o mundo e desenvolve a imaginação. Para ampliar as
possibilidades de brincadeiras de livre escolha para os bebês, propus
uma sequência de atividades com cestinhas-surpresa. Elas traziam
materiais com diversidade de texturas, sons e cheiros, que
possibilitavam esconder, achar, encaixar, empilhar, derrubar, rolar,
construir, encher, esvaziar, vestir, tirar e colocar. Os pequenos
deveriam explorar esses objetos.
Essa é uma
atividade intermediária, que se situa entre a dirigida e a brincadeira
livre não planejada. Pode ser marcada por um ritual, que ajuda a criança
a se situar na rotina e a se envolver com tranquilidade, pois o pequeno
sabe que ela vai acontecer novamente. O tempo possibilita escolher com o
que se envolver, diante de opções apresentadas simultaneamente. Requer
espaço flexível, que possa ser organizado e reorganizado várias vezes ao
dia. A proposta transforma o ambiente porque uma dinâmica diferenciada
da cotidiana ali se estabelece. São necessários cantinhos aconchegantes e
caminhos que prevejam a mobilidade.
Os materiais
escolhidos para as cestinhas podem partir da observação do interesse
infantil e também propor desafios e explorações. Sugestões de materiais:
caixinhas e blocos de madeira, pedaços de tecido, cones, carretéis,
bolas de borracha, potes, lenços, pulseiras, instrumentos musicais,
espelhos, imagens etc. Vale lembrar que todos devem ser constantemente
higienizados e não podem oferecer riscos à segurança das crianças. No
Berçário 1, criei um ritual para iniciar as atividades. Levava sempre um
tapete onde nos reuníamos e, então, apresentava os objetos dos
recipientes, sugerindo meios de exploração. Em seguida, entregava uma
cesta para cada bebê. No Berçário 2, as professoras produziram cestinhas
com papel de revista, que foram pintadas pelas crianças em um de nossos
encontros.
Nas reuniões
seguintes, elas eram apresentadas com seus pertences, como no caso
anterior. Para a exploração de materiais os tempos foram diversos entre
si. Nos primeiros encontros, o grupo passou vários momentos observando e
manuseando cada objeto cuidadosamente, em clima silencioso. Somente nos
encontros seguintes, começou o interesse por descobrir o que havia nas
outras cestas e a interagir com os colegas e as educadoras, imitando,
complementando, criando e recriando ações. Com os maiores, despontaram
algumas brincadeiras de jogo simbólico apoiadas nos materiais. Ao final
das atividades, solicitava ajuda aos pequenos para guardar os materiais,
movimento logo incorporado pelo grupo, constituído, aos poucos, pela
rotina que foi sendo organizada e compartilhada. Tanto na experiência
com o Berçário 1 como com o 2, chamou atenção a forma como os conflitos
surgiam e eram resolvidos pelas crianças, que demonstravam saber
negociar diante das opções daquele contexto.
Outra linguagem para interagir
A interação com
o ambiente e com as pessoas que dele fazem parte pode ser bastante
enriquecida pelo contato e pela vivência com o fazer artístico. Ampliar
referências visuais e possibilitar a expressão plástica são elementos
fundamentais para o desenvolvimento da criatividade. A fim de
proporcionar experiências nesse campo, propus uma sequência de
atividades de apreciação de imagens e de expressão plástica nos
encontros com os bebês. Além de funcionarem como disparadores de
conversa, as reproduções de obras produzidas por artistas contribuíram
para ampliar o repertório dos pequenos.
No Berçário 1,
trabalhei mais com a dimensão da apreciação, tanto nas rodas de conversa
quanto com as cestinhas-surpresa, que continham caixinhas de imagens em
um dos encontros. No Berçário 2, além da apreciação de imagens, que
ganhou um canto fixo na sala, confeccionamos materiais (pinturas das
cestinhas, do mural de fotos e nomes, da moldura do canto de apreciação
de imagens e do tapete para canto de leitura). Depois das atividades de
expressão ligadas à confecção de objetos, propus uma pequena sequência
de pintura com interferências, para alimentar o percurso criador.
Em trabalhos
como esse, o tempo de apreciação é flexível, pois implica o olhar de
cada um. As atividades são dirigidas e precisam da intervenção do
professor para auxiliar os pequenos a lidarem com materiais que exigem
determinados procedimentos. Em geral, eles ainda não conhecem
procedimentos básicos para o trabalho plástico, tanto em relação ao uso
de riscantes e suportes quanto com relação aos cuidados básicos para se
proteger e cuidar do ambiente. Procurei orientar os procedimentos
específicos no trato de cada material e também sugeri meios de
exploração. É importante ressaltar que os materiais devem ser
organizados em locais adequados e seguros.
Com o tempo, as
crianças se apropriaram da novidade e solicitavam a camiseta velha para
começar a pintar, escolhiam o riscante que preferiam usar e levavam a
produção até umlocal apropriado para secar. Observei que elas ficaram
sempre muito envolvidas e concentradas, de modo que todas as atividades
propostas foram realizadas com tranquilidade. É fundamental que a
produção seja valorizada, sendo cuidadosamente exposta dentro da sala ou
em outros espaços da escola. Um canto fixo de imagens pode ser
organizado, lembrando que elas devem ser periodicamente trocadas.
Pode-se
organizar o espaço de maneira a possibilitar diferentes experiências com
o fazer artístico: desenhar e pintar de pé ou sentado, realizar
trabalhos coletivos ou individuais. A confecção de cantos e de objetos
para o ambiente do berçário, por sua vez, contou com a participação
ativa dos pequenos integrantes, que puderam explorar materiais do fazer
artístico. Esse movimento de participação na construção do ambiente
favoreceu a valorização da expressão e da produção deles. No início, as
tarefas foram coletivas; depois, quando todos já estavam mais
familiarizados com a proposta, ofereci a oportunidade para que
realizassem explorações mais individualizadas, a partir de uma sequência
planejada para enriquecer o percurso criador. É importante saber
observar e respeitar o tempo da produção de cada um.
Leitura pelo professor
As experiências
relacionadas à leitura abrem as portas para o conhecimento sobre o
mundo e contribuem para a interação e o desenvolvimento da oralidade e
da linguagem. A narração de textos pelo professor fornece às crianças um
repertório que favorece a ampliação gradativa de suas possibilidades de
comunicação e de interação social. A participação em rodas de história
pode se constituir em um momento para expressão de ideias, sentimentos,
necessidades, desejos e avanço no processo de construção de
significados. Por considerar que as crianças tinham pouca familiaridade
com a leitura em voz alta e com os próprios livros, e por julgar
importante que elas conhecessem narrativas literárias e desenvolvessem
comportamentos leitores, propus uma roda de leitura em todos os
encontros. Reuníamo-nos em um canto aconchegante (com tapetes e
almofadas) e eu lia uma narrativa, colocando-me como modelo de leitor.
Merece destaque
a importância de se planejar esse tempo, sem perder de vista o antes, o
durante e o depois. No Berçário 1, propus uma sequência de leitura de
poesias curtas com a temática de animais. Depois do texto lido, oferecia
algumas publicações aos pequenos. No Berçário 2, adotei uma sequência
de histórias de acumulação e repetição (veja a lista de livros na página
36). Construímos também um canto de leitura na sala, para o qual as
crianças pintaram um tapete. Assim, as publicações se tornaram sempre
acessíveis, possibilitando o aprendizado de procedimentos de manuseio
delas, assim como a oportunidade de experimentar a leitura, mesmo que
não convencionalmente.
Aos poucos,
tanto os menores quanto os maiores, puderam ingressar nesse universo.
Nos primeiros encontros, as atividades foram tumultuadas. Com o passar
do tempo, eles acompanhavam e apreciavam esses momentos, saboreando
palavras e ilustrações. Além disso, observamos alguns comportamentos
incorporados, como manusear adequadamente um livro, virar uma página de
cada vez da esquerda para a direita, observar ilustrações e
relacioná-las com a história lida, formular hipóteses sobre a narrativa
que seria lida e tentativa de reconto.
(Cinthia Manzano, formadora do Instituto Avisa Lá)
1Sobre
a ideia de campos de experiências, consultar o documento Orientações
curriculares: Expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para
Educação Infantil, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de
2007.
2Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação, em 1998. O
documento se constitui a partir das concepções de criança, infância e
educação, oferecendo diretrizes curriculares a todos que atuam na área
de Educação Infantil. Volumes disponíveis no site: www.mec.gov.br.
3O trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto Capacitar
na Educação Infantil, desenvolvido na cidade de São Paulo, em 2008. (ver
Ficha Técnica)
Lista de livros lidos
Berçario 1:
- A arca de Noé, de Vinicius de Moraes. Ed. Cia. das Letrinhas.
- Boniteza silvestre, de Lalau e Laurabeatriz. Ed. Peirópolis.
- Meu poema abana o rabo, de Almir Correa. Ed. Biruta.
- Passa passa passarinho, de Cleonice Bourscheid. Ed. Edunisc.
- Rãzinha cantora e outros poemas, de Regina Chamlian e Helena Alexandrino. Ed. Paulinas.
- Um passarinho me contou, de José Paulo Paes. Ed. Ática.
Berçario 2:
- A casa sonolenta, de Audrey e Don Wood. Ed. Ática.
- Bruxa, bruxa venha à minha festa, de Arden Druce, Ed. Brinque Book.
- Devagar, devagar, bem devagar, de Eric Carle. Ed. Brinque Book.
- Fome de urso, de Heiz Janisch e Helga Bansch. Ed. Brinque Book.
- Macaco danado, de Julia Donaldson e Axel Scheffler. Ed. Brinque Book.
- Rápido como um gafanhoto, de Audrey e Don Wood. Ed. Brinque Book.
Ficha técnica
Programa: Capacitar Educação Infantil
Parceria: Grupo Gerdau e Instituto C & A
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Desenvolvimento: Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Coordenadoria de Ensino: São Mateus
Formadora de apoio: Cinthia Soares Manzano
E-mail: cinthiamanzano@hotmail.com
Coordenadora pedagógica do projeto: Maria Virgínia Gastaldi
Para saber mais
Livro
- Bem-vindo, mundo! Criança, cultura e formação de educadores, de Silvia Pereira de Carvalho, Adriana Klisys e Silvana Augusto (orgs.). Instituto C&A, Instituto Avisa Lá e Ed. Peirópolis. Tel.: (11) 3816-0699.
Conheça
mais atividades propostas para crianças de creche em edições da revista
Avisa lá: Mural de marcas, edição 37, de fevereiro de 2009;
Cestinhas-surpresa – regularidade e diversidade: componentes
fundamentais no planejamento de atividades para bebês, edição 16, de
outubro de 2003; e Álbum do bebê, edição 18, de abril de 2004.
Fonte: http://avisala.org.br/index.php/assunto/tempo-didadico/interacao-no-bercario/
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